segunda-feira, março 07, 2016

levada

Me leve
Leve
Me traga
Viva
Me venha brisa
Me leve brasa
Me traga febre
Me leve
Fibra
Desenhe
Apele
Vibre
Me faça
Traço
Esboço
Me desalinhe

domingo, março 06, 2016

Brevê

Para voar,
é preciso aprender com os passarinhos
chamá-los de mestre,
e cantar as manhãs
Para voar,
é preciso encher os ossos de vento
e amar a própria pequenez
se sentar para dormir entre as miudezas que você chama de ninho
(e é possível que também ajude
ciscar um verme ou dois)
Para só depois fechar os olhos,
e perder o chão.

(czarina/Nathalie Lourenço)

sexta-feira, março 04, 2016

Paisagem

As lápides se estendiam ao longo do campo santo.
Algumas suntuosas, outras simples, anônimas.
A braquiária abraçava os solitários.

O carro fúnebre, já cansado, senil,
assoviou ao mundo sua carga.
O seguiram lágrimas e cânticos.

Os dentes-de-leão sabem a verdade
e espalham-se ao vento, felizes,
sabendo que a vida é assim mesmo.

Pulgas carregam um cahorro pra lá e pra cá.
Indiferente, ele abana o rabo e sorri.
O ventre cansado do vazio.

A pequena multidão chega ao seu destino.
A boca da terra se abre, preguiçosa.
Mais um que sobe aos céus.

Mais um pouco de choro e pronto.
Vão todos cuidar da vida.

Sonâmbulos, os defuntos voltam pras suas casas e seu trabalho.

quinta-feira, março 03, 2016

a vida secreta das palavras

nem sempre soo verdade
às vezes me escondo em palavras
às vezes me revelo em palavras

às vezes silêncio
e palavras tilintam dentro de mim
rodopiam em ciranda de segredos

algumas me tocam os lábios
e fogem
e fogo
e ardem

algumas me tocam os dedos
e fogem
e fogo
e ardem

escrevo
segredos da onda gigante
que irá me engolir

e depois do sal
o sol

quarta-feira, março 02, 2016

I

Por você, grande afeto
sobre mim, um teto
de sonhos e desejos

II

pensei "a vida é só minha"
mas essa saudadinha
é dividir-me em "eu e você"

III

Em vão medir desejo!
o tempo de cada beijo
é o tique sem taque do relógio

terça-feira, março 01, 2016

baile de máscaras


você já notou que,
às vezes,
as coisas não são o que parecem?

você me perguntou
naquela festa.

a voz ao meu ouvido é
seca a voz ao meu ouvido é
desconhecida

embora seja sua.


você já notou que,
às vezes,
as coisas não são o que parecem?

você já notou que,
às vezes,
as coisas não são o que parecem?

meus olhos se estreitaram
horizonte
meus olhos clarearam dentro
                do esforço            vão         em entender

are you talking about you?

eu te perguntei
naquela festa.


você já notou que,
às vezes,
as coisas não são o que parecem?


aquela festa:
sua vida: tão baile de máscaras

invisíveis

caindo

caindo

caindo

sem fazer barulho:

apenas realidade.


você já notou que,
às vezes,
as coisas não são o que parecem?

you were talking about you.


segunda-feira, fevereiro 29, 2016

Tudo se mexe


Tudo se mexe
Ao redor da sala
E no centro
Eu me sento

Tudo ao redor da sala
Sou eu sentado
E esse movimento
Que diviso por dentro

A criança cruza
O cachorro salta
É a televisão
Verborrágica

O silêncio canta
E descreve o mundo
A lápis no verso
De um formulário velho

Catalogado, o ser
É as frases no inventário
Do que vê a sitiá-lo
A mesa esquiva e eu

Um tapete movediço e
Esta porta uma boca afoita
Que me chama de verdade
Imaginária e inventada até

domingo, fevereiro 28, 2016

amor com gato

sempre
sempre
sempre

me deixa

aquela impressão
de que não tá nem aí

de que eu amo mais...

não entendo
esse seu jeito...

mas
você
desfaz
tudo isso

e me ganha
quando vem
e em meu colo se aconchega

sempre
sempre
sempre

sábado, fevereiro 27, 2016

Ester


As irmãzinhas
a vigiam das alturas.
Tremeluzem
vozes dizendo que a amam.
Piscam piscam
anos-luz de saudades.
Caída e solitária,
contempla a noite clara.
As irmãzinhas
lhe brilham as lágrimas.

sexta-feira, fevereiro 26, 2016

(NA)MORADA

Quero mais é que esse sentimento
Traga logo suas roupas
Para dentro de casa.
Mude com tudo:
Tralhas, trouxas, beijos na boca,
Melodias, desejos entre as coxas e todas as malas.
Que venha tomar conta da alma que agora abriga
Trazendo com ele todos os versos,
Rimas, sonhos e canções amigas.

Quero mesmo é deixar o medo
Plantado no jardim do quintal,
Na varanda da sala,
Algum lugar bem na nossa cara
Para que dele possamos colher pétalas
Para o chá de “vamos-em-frente”.

E alí, para nosso deleite,
Durante os beijos
Que o mundo anoitece
Ante nossas pálpebras fechadas,
Percebamos que a alma, finalmente,
Encontrou a perfeita morada.