domingo, outubro 31, 2010

VEM

Vamos sair pela rua
Assim como quem nada quer
A redescobrir-nos,
A cobrir o sol que manda
E exala o cheiro guardado da noite,
Feito crianças que somos
Atrapalhando a calçada
Feita para andar de mãos dadas
Feita para o ir e vir
Entre tantos.

Vamos, me segue,
Nessa busca louca do sentir o que não vemos,
Dessa queda roxa na palavra que prevemos,
Nos domingos cheios de bemol
E de beijos.
Sim, me acompanha nessa luta,
Contra os males que nos cobrem a alma e o rosto,
Pois se te quero, agora,
É por estar disposto
A ser mais que um retrato
A apertar o laço
Que nos envolve a boca.

Vamos por onde for
Ser poeta, verso, música e flor,
Ser mais do que nos cobram,
Ser mais que amor com toque de instinto
Porque provamos, na mesma estrada,
Que o querer é menos do que sinto,
Que o rastro é mais que o destino.

Vem,
E juntos acabemos com a aflição
Destas curvas.
Que antes de serem marcas
Foram histórias todas as minhas rugas,
E te servirão bem de mapa nos atalhos
Que ainda não enxerga.
Pois sei o que quero, sou mendigo, menino,
Poeta cheio de prosa,
A esperar o dia em que a lua,
Bendita rainha,
Se curve ante as rosas.

sexta-feira, outubro 29, 2010

Já não sei mais se fala ou se tosse
do outro lado da linha e do mapa, distante.
Tua voz sumindo
sumindo pelo fio que consola.
São as crianças pulando nas poças d'água
a chuva estalando na minha capa
os ônibus passando pela avenida inundada
que olho.
A água cobre meus pés.
E é tua voz que não sei mais e não ouço.
Quando você fala dos nossos fragmentos perdidos no tempo
das pequenas mentiras do dia-a-dia
que são para não estarmos sós
eu aprisiono minha lágrima em seu início.
Te digo 'tchau, se cuida, eu te amo sem medida'
querendo dizer nada.
Você compreende e eu vou embora.

quinta-feira, outubro 28, 2010

Enquanto você dormia
brilhava a lua sombras se moviam
tocou o telefone voou o tempo
na cozinha estrilavam pequenas melodias.

Você tossiu, se virou
murmurou pequenos segredos de outras realidades .
Lá fora governos caíam, estrelas viravam poeira.
você dormia e ignorava o universo.

Gigantes brigavam do outro lado do mundo;
máquinas rugiam mas sem nos ameaçar
a terra suspirava,
através dos ventos você dormia.
eu tossi, me virei
até fechar meus olhos
para as pressões do futuro.

Enquanto você dormia,
as horas mudavam
e a gravidade tornava meu amor quase abissal.
Cheia de sonhos você dormia
e seu calor bastava prá tudo estar bem.
Eu andei na ponta dos pés, banheiro cozinha copo d´água.
Meu coração batia alto,
minha mente acesa demais.

Seu rosto assumia contornos
mistérios em preto e branco
e lá fora choveu por meia hora
e eu pensei em filmes
lembranças
campeonatos
praias
lugares onde poderíamos ir
esperei que a manhã
viesse prá dissolver tudo isso.
Você teve o sonho mais estranho antes de acordar
fitou o teto com olhos vazios
voltou ao mundo e sorriu prá mim.

quarta-feira, outubro 27, 2010

Fins de semana pela orla: amor
Dias e dias de trabalho: langor
Gente passando por todos os cantos: calor
mal educados invasores: furor

Esquecer o chinelo na areia: cabeça vazia
lembrar que sempre há a segunda-feira: apatia
olhar para cima e não ver nuvens: belo dia
olhar para frente e não ver meu amor: isso judia

Por onde passo, os prédios sussurram seu nome
esta cidade nos pertence, minha querida
aqui estão as melhores cenas de nossas vidas

(Luiz Guilherme Amaral)

terça-feira, outubro 26, 2010

modernice




se
você quer saber
quem eu sou


não digo não grito
não falo
nem na marra


a quem insiste
em saber
quem eu sou


que
passe o leitor
sobre o código


de barras

segunda-feira, outubro 25, 2010

Súplica

Amor, me chama de louca,
mas por favor,
me entope a boca
com tua língua, teus beijos e tua saliva.
Me faz viva
novamente
como naquele dia
em que eu quase desfalecia,
dormente,
enquanto teu pau me arrombava por dentro
e minha vida escorria pelo cimento.

Amor, me chama de puta,
me sacode, me assusta,
me mete enquanto grita comigo.
Me inflinge qualquer castigo.
Chicote, tapas, desprezo...
mas derrama em cima de mim
(por favor)
novamente teu peso.

Me faz novamente, por favor
tua escrava, tua cadela.
Depois pega esse amor torto
e exibe pela janela.

Faz de mim, meu amor, teu troféu.
Eu fico aqui no chão, lambendo,
teus pequenos pedacinhos de céu.

sábado, outubro 23, 2010

íntimo

descolo meu ouvido do teu peito

conheço de cor o ritmo

de coração que esquece

de bater a segunda vez

culpa do hábito, do encaixe habitual

e, pra desfazer um clichê,

desloco o afeto ao sul

aos sons cavernosos, molhados

a mais incrível caixa de música

a barriguinha querida de carlos

líquidos fluindo, engrenagens rodando

sem descanso nem ordem


nos seus bastidores


uma música infinita

o vibrar de uma corda viva


(sim)

eu gosto tanto

de te ouvir funcionar

sexta-feira, outubro 22, 2010

para ninguém

Esse pedaço do horizonte
que insiste sempre
no meu olho esquerdo
- entre os prédios,
é seu. E seu só
quando eu penso no nada
que existe
e no seu desprendimento
de vírgula errante
e a falta que faz
mesmo quando está comigo
é ser só
- desatar o nós
da ponta dos nossos dedos.

quinta-feira, outubro 21, 2010

essa pena irremediável de você,
de mim,
de todos que insistem em continuar amando,
da verdade e do erro em nossas crenças,
do absurdo simples do amor
e do absurdo complicado do amor criado pelas pessoas.

quarta-feira, outubro 20, 2010

Dentro de todas as nossas agradáveis surpresas
as mais assustadoras coincidências
são docemente assustadoras, admitirei
porque elas nos deixam ainda mais próximos
porque elas nos dizem em alto e bom som
que devemos atravessar uma vida juntos

E eu não me contento com isso
queria mesmo é atravessar umas quinze vidas
ou atravessar a maior avenida da América do Sul
carregando-te nos meus braços
porque esta cena é o que nossa história exige
se não fomos para ser felizes
então seremos apenas amontoados de papéis
que ostentam algumas palavras doces
carregadíssimos de promessas

Só de cogitar você já é uma inspiração
você sabe disso porque eu não me cansarei
de passar os bilhetinhos mais lindos
por debaixo da sua porta
colá-los no seu espelho
e costurá-los no seu cérebro
porque, assim, você não me esquece nem por um minuto
a ponto de querer atravessar planetas ao meu lado

(Luiz Guilherme Amaral)

terça-feira, outubro 19, 2010

Dejá-vu

O rio do esquecimento é caudaloso.
Mas vão. E perigoso.

Pois não adianta olvidar.
Mergulhar e afogar as lembranças.
Uma hora elas voltam e fazem a lambança.

E nós, que nos acostumamos a viajar
em tranquilas águas azul-turquesa
somos pegos de surpresa.

E nos tornamos de alegres navegadores
em náufragos num ilha de horrores.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Vazio

E esse deserto?
E esse ninguém-por-perto?
E esse nada-nada-nada-a-fazer?

E essa saudade impossível de você?

domingo, outubro 17, 2010

Lamento do ébrio

embriagar
a alma
com doses de
ilusão

ansiar
de esperança,

vomitar


as areias do tempo
enterram
as pétalas de flor

de um amor
que nem nasceu

quarta-feira, outubro 13, 2010

Fica aquela pequena luz de saudade
a cada instante, em cada gesto
Por ora, tudo tem um quê de efêmero
quero meu hálito de lágrima
ainda que elas insistam em não cair

segunda-feira, outubro 11, 2010

Paz

Sabe aquela flor
que coloquei em meus cabelos?
Vi em seus olhos
teu carinho
desenrolando-se em novelos.

E notei que ainda podemos.
Apesar do que se passou.

E notei que algo ainda restou.

sabe aquela flor
que coloquei em meu vestido?
Senti teu desejo
percorrer-me
cada canto escondido.

E eu soube que dançaremos.
Apesar de tudo isso.

E sei que deitaremos
nossos corpos
em nossos sorrisos.

sábado, outubro 09, 2010

taque.

Saber amalgamar

Desenhar com os ponteiros dos relógios os mesmos ângulos

Tiquetaquear fora de ordem

Não me importa envelhecer um pouquinho

Ao emaranhar os dedos por entre as fibras dos dias

Viver como se deve

Brasas acesas amornando lentamente

O relógio deixando pingar as horas

Saber estar aqui, respirar pelo nariz, pela boca, pelo peito

Deixar entreabertas as portas quadradas

E esbanjar o tempo.

sexta-feira, outubro 08, 2010

como perder poema

como perder poema
se ainda
na língua
apontando

e de repente
precisar
o caminho inverso da
palavra
dita e ou escrita

voltar para o
dentro
permanecer

é perder?

quinta-feira, outubro 07, 2010


É manhã na penumbra vermelha do mundo.

Alguma coisa acontece, alguém se aproxima sem avisar.

Meu coração bate mais rápido, eu sinto medo pela primeira vez.

Ei, vocês, sou eu!

Eu nunca quis te machucar, eu só queria existir.

Meus olhos não chegaram a ver nada.

Nem a coisa mais simples de todas as coisas que existem.

Meu sangue corre doidamente, minha mente procura entender.

Eu nunca quis..

Adeus.


quarta-feira, outubro 06, 2010

Eu ainda não tive tempo
para sentar e chorar de saudade
e nem quero isso
porque não vou ser lamento
na terra do carnaval

Eu ando rodeado pelas boas lembranças
com a chave da velha casa ainda no bolso
ouvindo as músicas das minhas tardes
naquele tempo em que eu não sabia
se já era algo ou se ainda não era nada

Não vou ficar secando lágrimas por aí
vou encarar a vida a que me submeti
Passa rápido, tudo se ajeita, eu sei
ainda não sou quem eu preciso ser

Se minhas malas ainda estão à mão
talvez possa parecer que já quero voltar
ainda não é a hora, ainda é muito cedo
ainda não sou quem eu preciso ser

(Luiz Guilherme Amaral)

segunda-feira, outubro 04, 2010

Pé de página

Não sei mais se sou mulher
ou se sou macho.
Não sei, não me acho.
Meus hormônios, completamente ensandecidos.
E a barra da minha calça
se enrosca à barra do meu vestido.

Há algo aqui dentro pululando.
E preciso corrigir-me, sem engano:
Às segundas sou Maria Ana,
mas o resto do tempo
sou eu, o Moacir Caetano.

Mas acho que não há problema:
todos nós temos algo de homem
e algo de fêmea.

Então continuo essa brincadeira
com eira e com beira:
Pra viver em paz com meu lado mulher
deixo Maria Ana aparecer
pra meter sua colher!

domingo, outubro 03, 2010

PROFANO

Na ladeira que dá espaço
Ao raso sentido
Das entranhas.
Nesse mote de verso,
Que com a noite,
Sabedor de tudo sangra.
Nessa terra sagrada
De todos os santos,
Santas e milagres.

Entre as suas pernas
Profanamente peco...


Palavra por palavra.

sábado, outubro 02, 2010

protese

esse é um poema-prótese
um poema-postiço
o poma de hoje não existe
o poema de hoje não foi escrito
foi vivido

sexta-feira, outubro 01, 2010

súplicas

me rapte para tua cidade ou minha casa
quilômetros em comum, por um instante

des-cubra os cabelos da face
por onde e porquê me escondo

um sabonete que desvenda, mas não limpa
as sardas, seja

o título para meus poemas
um clichê, porque eu acho graça em

qualquer coisa, qualquer outra coisa
mas não nesse vazio insistindo entre os seios.