quinta-feira, novembro 29, 2007

Acidente

Esbarro no barro
ainda mole
e pronto!
O que era pra ser uma obra-prima
passa a ser algo disforme.
Um feto com defeito
que não pode ser desfeito...
Mas se pode abortar...
A argila vai secar!
E se pode destruir,
jogar fora,
se livrar
dessa coisa mal-formada e
sem valor e,
assim sendo,
indesejável.

quarta-feira, novembro 28, 2007

Sempre vivi cercada por pessoas,
mesmo quando não quis.
Das mais variadas estirpes.
Dos mais diversos espíritos.
Fontes inesgotáveis de experiência.
Ídolos e inimigos.
Meus oitos e meus oitentas.
Máscaras cruéis e verdadeiras.
Curtas e grossas.
Insensíveis à minha sensibilidade.
Capatazes das maldades.
Sempre vivi cercada de pessoas,
mesmo quando não quis.
Como agora. Hoje.
Uma ilha tão deserta...

(20 outubro de 2005)

terça-feira, novembro 27, 2007

furta-flor

você passou
e me deixou
esse silêncio,

mero suvenir
que fiz
com as flores
que roubei
do teu jardim

suspenso.

segunda-feira, novembro 26, 2007

.

não acredito nessa tal de vida cor-de-rosa
Ter filhos, por exemplo,
que escolha estranha.
Experimente fazer passar um melão cantalupo por qualquer orifício do seu corpo.

E depois ficam falando de macheza.

ser homem
só pode ser coisa de mariquinha.

domingo, novembro 25, 2007

OFÍCIO SACRO

é muito engraçado
o que tem a oferecer o mundo
pelas mãos dos livros que circundo:
uma certa frieza que dá-me enfado
beleza nos temas não antes tocados
que não justifica
o baralho de idéias sobrepostas,
intocáveis,
ou uma arqueologia de vocabulário.

(faz-me rir o riso constrangido
esse gemido que não soa mais que isso)

há que haver pulso pra nascer um grito
e conteúdo pra esgueirar a alma
e manuseio árduo a rimar a forma
dada por um fino e firme fio
que amarre esse resquício plástico
ou faça valer o sacrifício

sábado, novembro 24, 2007

Carnaval

Não gostava de ziriguidum!
Foi ao baile e matou todos...
um a um!

sexta-feira, novembro 23, 2007

brisa

eu quero sol
fechar os olhos
e ser tua brisa
nesses dias de verão

quinta-feira, novembro 22, 2007

A solução

O açucar
que eu misturei no café
se desfez
completamente

E a doçura se sobrepôs ao amargo


Pensei nisso enquanto via escorrer
ralo abaixo
mais um trabalhador ranzinza
Mais um dia de trabalho
cinza
Todo suor que perco
e todo sal que eu ganho em troca

Era eu
me dissolvendo mais um pouco
e querendo me sobrepôr a todo esse amargo da vida


Mas --que merda!
Eu não sou doce!!!

quarta-feira, novembro 21, 2007

se, porventura,
[ou pura loucura!]
esqueceres de mim,
entenda que
sou assim
às vezes,
[bravura]
outras,
[candura]
e talvez
[sua cura]
...

terça-feira, novembro 20, 2007

flor star

faisco
o teu nome
na areia,


um haicai
made in chão,
um asteróide,
um asterisco,


e me chovem
estrelas na calma


da mão.





segunda-feira, novembro 19, 2007

me desmonta.
prefiro ser pérola
do que ser conta.

domingo, novembro 18, 2007

mente

difícil é rimar
a intensidade do sentimento
com a clareza de entendimento

sábado, novembro 17, 2007

Viagem

Como uma velha estrada de Minas me cortasse o caminho
(com seus altos e baixos e altos e baixos e altos)
(com suas faixas de água e mato e pedras e pedras)
e me trouxesse a paz (enfim...) que tanto necessito.

Dentro de mim, planícies se formaram,
niveladas pelo ruído terno,
embaladas pelo ruído calmo
de uma velha estrada das Gerais...

E eu juro:
não te machuco
nunca mais!

sexta-feira, novembro 16, 2007

quinta-feira, novembro 15, 2007



Medo é freio...
Às vezes,
muitas vezes,
freio gasto...
Quando não é capaz de impedir,
rola muito estrago...
Quem tá de carona
quase sempre sai ferido...
Às vezes,
acaba até morrendo...
O motorista?
Esse quase nunca se fere...
Ele fica inteiro
para se preocupar
com o acidente
que ele mesmo provocou...
(E a culpa é sempre do motorista...)

quarta-feira, novembro 14, 2007

Meu ser concentra as mais variadas sensações, as quais descrevem perfeitamente os primeiros capítulos dos meus próximos trinta anos. Algumas remanescentes conhecidas, outras surpreendemente recém-nascidas...
Aquelas fazem referência à evolução da minha existência até então. São sentimentos de orgulho ao certificar-me da minha personalidade. Sentimentos ambíguos de conquista. Sentimentos de pesar pelos sonhos frustrados. Sentimentos adolescentes há muito escondidos. Sentimentos de dor esquecidos. Sentimentos nostálgicos das paixões vivenciadas. São todos sentimentos reciclados, mas incontestáveis, e inseparavelmente ligados a mim...
Estas, ah! estas sim. Reparadoras bem-vindas, estas sensações trazem consigo uma estranha calmaria sentimental. Pressupõem o sossego velado. Corroboram as minhas expectativas. Encorajam-me a redigir o desfecho da minha personagem original. E entro em cena repleta de teoria, inteiramente desprovida de munição emocional. Estas e aquelas, compondo a simetria do meu ato principal...
(maio, 2005)

terça-feira, novembro 13, 2007

Eu te amo, visse!

Roberval era o tipo do sujeito que assim chamamos “boa praça”. Nasceu e foi criado no bairro de Santo Amaro, com a dificuldade peculiar da pobreza; e o roncar uníssono dos estômagos vazios. Não obstante, colheu da infância boas lembranças no dia em que foi chamado pela consciência a rememorá-la. Não fora um bom jogador. Não. Terminava sempre sob as traves que delimitam o fim do campo, o apogeu dos superiores no conduzir da pelota. Nada mau como goleiro, para um inocente míope. Destacou-se mesmo no ofício prazeroso de nadar. Bastava a maré dar as caras com suas sobras no velho canal da avenida Agamenom, e lá ia a corriola pelas ruelas de chão batido em alvoroço, para desespero das mães. Nada em vão. Posto que não raro a maré lambia e tragava um daqueles corpos mirrados pela ausência de sustâncias. E às mães, sobrava o choro, e a espera pelo próximo. Roberval sempre voltou. Era ágil, e ímpar na proeza de descer ao fundo daquele lamaçal ralo e trazer à tona um punhado preto de terra como troféu.

Avesso aos estudos, parou na famigerada quinta série, demolido pelo dragão da matemática, e seduzido pela liberdade dos ignaros. Seu prazer era sentir o vento na cara, e o bater dos calcanhares na bunda. Um dia, ao voltar da rua, deu com a mãe estirada na porta de casa, entre o umbral e a terra batida que fazia as vezes de calçada. Tinha treze. Sendo o mais velho da prole, assumiu a tarefa de trazer o que comer para os outros quatro. Pela primeira, e única vez, lamentou a falta do pai, um mero desconhecido.


Seguindo o mandamento primeiro que lhe incutira a mãe logo cedo, “morra de fome, mas jamais roube, ou pegue o que não for seu por direito”; foi para o centro da cidade, batalhar. Conseguiu se manter num determinado ponto como guardador de carros. Cresceu assim, guardando carros na Boa Vista, e cresceu tanto, que não demorou a ganhar um apelido que vai levar ao túmulo: Coqueiro.

Do alto dos seus um metro e oitenta e nove, Coqueiro ostenta a pureza de um menino, com seus olhos miúdos e negros que fecham quando o sorriso abre. Assim fez seu carisma. É respeitado por todos, desde sua casa às ruas do centro. No seu rol de “clientes” enumera estudantes, doutores, empresários. Um desses, há um bom par de anos, o fez seu jardineiro. Foi quando Coqueiro se encantou por Adelaide, colega de ofício. Um exemplar de mulata, com olhos verdes e uns cabelos revoltos. Na cama, era dona das alegrias das sextas-feiras. Fora dela, enfezada, e muito ciumenta. Adelaide fez jogo duro por uns meses, mas não deixou de confessar que ficou louca logo “de cara” por aquele moreno alto com seu rosto de menino pidão e sorriso marfim. Porém, uma ou outra, banhada no riacho das preteridas, dizia ser por causa do seu mastro inverossímil, algo parecido com o que disse Drummond: “um deus entre as pernas”.

A vida dura do casal exigia mais trabalho do pai dos trigêmeos que chegaram não muito depois que se amasiaram. Com o cargo de jardineiro pelo dia, Roberval ainda guardava carros à noite, nos fins de semana, posto que havia muitas boates na região. No dia seguinte, aos primeiros fachos do sol, chegava a patroa com o almoço que Coqueiro levava para o trabalho no jardim alheio.
Era costume dos clientes mais tardios, ficar ouvindo as histórias dele na calçada, tomando as últimas cervejas. No caso da clientela feminina, Adelaide era taxativa: “oxe, num atolero, mermo!...”. Sempre rolava um bate-boca exaltado quando o moreno de sorriso marfim se deixava flagrar de papo com alguma “sirigaita” daquelas. E assim foi. Adelaide chegou antes da hora habitual, e lá estava o seu homem a gargalhar com duas mulheres.

“Roberval, seu cabra safado!!” - explodiu logo na esquina.

“Ai, meu Deus... lá vem ela!” - coçando a cabeça.

“Já tais aí, né?, parece até qué de proposo...!”

“Ô, Delinha...” - tentando contemporizar.

“Delinha, um caraio!... Delinha, Delinha... tu pensa mermo que eu sô indiota, né?” – com as mãos na cintura.

“Oxe, tava só te esperano pra pegar o cumê, e já tô atrasado, visse!”

“Atrasado, é?, atrasado eu sei bem pra quê... tu vai é raparigá por aí...”

“Ô, mulé... pelamordedeus!, eu me fudeno de trabalhar pra sustentar os bacuri da rente... e tu só pensa em gaia, vôti!!”

A essa altura uma platéia já assistia àquilo entre risos.

“Eu te conheço, Roberval Aquilino... bem eu seio da tua fama... essa tua cara de santo... tu num me ingana... tu vai é raparigá, cô sei...”


“Caraio!! Já disse que vô trabalhar, e tô atrasado!! Vai, me dá esse cumê logo, vai!”


“Tá bom, Roberval, eu até dou teu cumê, mai tu vai ter que me aprová que num vai quengá por aí!”

“Oxe, agora fudeu tudo... como porra eu vou te aprová? Só se tu ligá pra lá...”

“Ligá que nada! É muito simpres... Me dê sua chapa!”


A gargalhada explodiu na platéia.


“Oxe... num seja por isso!”


E a platéia atônita viu um Coqueiro complacente meter a mão na boca, sacar a boa dentadura marfim, enrolar num guardanapo, e entregar nas mãos de uma Adelaide sorridente.

“Eu te amo, visse!” – tacando um beijo no seu homem.


segunda-feira, novembro 12, 2007

domingo, novembro 11, 2007

QUANDO VEM

A inspiração quando vem
parece assim dizer:
"não deixe pra amanhã
o que pode fazer hoje".
"Pode" que é mais um "tem que".
Mas só diz isso a inspiração,
ao contrário de sempre, quando vem.
E se hoje ela não me contém,
quem sabe lhes convém a de amanhã.
Deixemos...

sábado, novembro 10, 2007

Urgência

Minha mão ensandecida
parte em busca subitamente
do que brota (oh, semente)
de tua mente pervertida
e do meu falo incandescente...

sexta-feira, novembro 09, 2007

Não limpe os pés antes de entrar

eu vi num blog por aí:
"seja bem-vindo, mas limpe os pés antes de entrar"...


Não limpe os pés antes de entrar

Entre com a lama, a grama, a poeira
e a areia do mar.

Entre com o barulho das ruas, do samba
e dos versos do poeta de mesa de bar.

Entre com o cheiro do asfalto, do ônibus lotado
e do pastel de carne com suco de maracujá.

A porta está aberta,
pode entrar:
Eu quero minha alma suja
e feliz.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Às vezes, é melhor ignorar...

Não consigo virar a página
sem ter entendido
o que acabei de ler
Busco reler
até entender
ou absorver
alguma coisa...

Acreditem:
isso é um péssimo costume.

terça-feira, novembro 06, 2007

segunda-feira, novembro 05, 2007

estrelas decadentes

as pessoas perseguem sonhos
como crianças correm atrás de bolhas de sabão
porque é divertido
não me importo se alcanço ou não

as pessoas perseguem sonhos
como um cão atrás de um carro
não por que o quero realmente
só estou tirando um sarro

as pessoas perseguem sonhos
como um cão acompanha o dono
porque estes sonhos, quando alcanço
me ninam em noites sem sono

as pessoas perseguem sonhos
como um gato persegue um rato
porque quando eu alcanço um sonho
eu mato.

domingo, novembro 04, 2007

DO AFAGO

para Lysia Leal
Pulso claro, inofusca luz, do afago,
serena alegria da paixão
correspondida como os momentos raros
de sua própria condição.

Ah, essa humanização de metáforas primaveris,
de pueril escrita,
contraria tua repetida condição
que ao rever berro
e reverbero: fica
fica, fica.

sábado, novembro 03, 2007

Visão

Do vento veio a voragem
visitando meus velhos varais...
enveredando-me, viagem.

Vi o vórtice varrendo-me
e veio-me a vertigem.
Virgem,
a vida encelheceu.

E o que era vivo se desvaneceu.

sexta-feira, novembro 02, 2007

O poeta está morto

O poeta morreu
esmagado pela rima
da poesia lírica

O poeta morreu
na noite velada
pela madrugada

O poeta morreu
sorriso demente
na boca sem dentes

O poeta morreu
sujo e pobre
de causa nobre

O poeta morreu
mas a poesia respira
viva e (de)lira

quinta-feira, novembro 01, 2007

Espírito Fumaça *



Olhe! Sou eu
essa fumaça
que sobe aos céus...
Dança levada pelo vento
Voa, vagante
Vulto misterioso, um espírito
Assombração, um fantasma
De repente, apareço
E te assusto
Surjo denso
Te perturbo os sentidos
com minha presença
E talvez seja esse
o único intuito de minha aparição...
Quero te perturbar
para que possas me sentir
aqui
Quero te invadir
a mente, me apossar de teu corpo,
me fundir à tua alma
Quero me sentir
vivo
em tua vida
Mas, tão logo consigo sentir-me, enfim,
me desfaço, me disperso
O que era denso
se desintegra,
vira nada
E eu desapareço
Outros ventos me espalham
a vários cantos, me despedaçam
E parte de mim
fica em ti
e te faz mal
Espírito? Que nada!
Talvez, no final,
seja só
fumaça...