Roberval era o tipo do sujeito que assim chamamos “boa praça”. Nasceu e foi criado no bairro de Santo Amaro, com a dificuldade peculiar da pobreza; e o roncar uníssono dos estômagos vazios. Não obstante, colheu da infância boas lembranças no dia em que foi chamado pela consciência a rememorá-la. Não fora um bom jogador. Não. Terminava sempre sob as traves que delimitam o fim do campo, o apogeu dos superiores no conduzir da pelota. Nada mau como goleiro, para um inocente míope. Destacou-se mesmo no ofício prazeroso de nadar. Bastava a maré dar as caras com suas sobras no velho canal da avenida Agamenom, e lá ia a corriola pelas ruelas de chão batido em alvoroço, para desespero das mães. Nada em vão. Posto que não raro a maré lambia e tragava um daqueles corpos mirrados pela ausência de sustâncias. E às mães, sobrava o choro, e a espera pelo próximo. Roberval sempre voltou. Era ágil, e ímpar na proeza de descer ao fundo daquele lamaçal ralo e trazer à tona um punhado preto de terra como troféu.
Avesso aos estudos, parou na famigerada quinta série, demolido pelo dragão da matemática, e seduzido pela liberdade dos ignaros. Seu prazer era sentir o vento na cara, e o bater dos calcanhares na bunda. Um dia, ao voltar da rua, deu com a mãe estirada na porta de casa, entre o umbral e a terra batida que fazia as vezes de calçada. Tinha treze. Sendo o mais velho da prole, assumiu a tarefa de trazer o que comer para os outros quatro. Pela primeira, e única vez, lamentou a falta do pai, um mero desconhecido.
Seguindo o mandamento primeiro que lhe incutira a mãe logo cedo, “morra de fome, mas jamais roube, ou pegue o que não for seu por direito”; foi para o centro da cidade, batalhar. Conseguiu se manter num determinado ponto como guardador de carros. Cresceu assim, guardando carros na Boa Vista, e cresceu tanto, que não demorou a ganhar um apelido que vai levar ao túmulo: Coqueiro.
Do alto dos seus um metro e oitenta e nove, Coqueiro ostenta a pureza de um menino, com seus olhos miúdos e negros que fecham quando o sorriso abre. Assim fez seu carisma. É respeitado por todos, desde sua casa às ruas do centro. No seu rol de “clientes” enumera estudantes, doutores, empresários. Um desses, há um bom par de anos, o fez seu jardineiro. Foi quando Coqueiro se encantou por Adelaide, colega de ofício. Um exemplar de mulata, com olhos verdes e uns cabelos revoltos. Na cama, era dona das alegrias das sextas-feiras. Fora dela, enfezada, e muito ciumenta. Adelaide fez jogo duro por uns meses, mas não deixou de confessar que ficou louca logo “de cara” por aquele moreno alto com seu rosto de menino pidão e sorriso marfim. Porém, uma ou outra, banhada no riacho das preteridas, dizia ser por causa do seu mastro inverossímil, algo parecido com o que disse Drummond: “um deus entre as pernas”.
A vida dura do casal exigia mais trabalho do pai dos trigêmeos que chegaram não muito depois que se amasiaram. Com o cargo de jardineiro pelo dia, Roberval ainda guardava carros à noite, nos fins de semana, posto que havia muitas boates na região. No dia seguinte, aos primeiros fachos do sol, chegava a patroa com o almoço que Coqueiro levava para o trabalho no jardim alheio.
Era costume dos clientes mais tardios, ficar ouvindo as histórias dele na calçada, tomando as últimas cervejas. No caso da clientela feminina, Adelaide era taxativa: “oxe, num atolero, mermo!...”. Sempre rolava um bate-boca exaltado quando o moreno de sorriso marfim se deixava flagrar de papo com alguma “sirigaita” daquelas. E assim foi. Adelaide chegou antes da hora habitual, e lá estava o seu homem a gargalhar com duas mulheres.
“Roberval, seu cabra safado!!” - explodiu logo na esquina.
“Ai, meu Deus... lá vem ela!” - coçando a cabeça.
“Já tais aí, né?, parece até qué de proposo...!”
“Ô, Delinha...” - tentando contemporizar.
“Delinha, um caraio!... Delinha, Delinha... tu pensa mermo que eu sô indiota, né?” – com as mãos na cintura.
“Oxe, tava só te esperano pra pegar o cumê, e já tô atrasado, visse!”
“Atrasado, é?, atrasado eu sei bem pra quê... tu vai é raparigá por aí...”
“Ô, mulé... pelamordedeus!, eu me fudeno de trabalhar pra sustentar os bacuri da rente... e tu só pensa em gaia, vôti!!”
A essa altura uma platéia já assistia àquilo entre risos.
“Eu te conheço, Roberval Aquilino... bem eu seio da tua fama... essa tua cara de santo... tu num me ingana... tu vai é raparigá, cô sei...”
“Caraio!! Já disse que vô trabalhar, e tô atrasado!! Vai, me dá esse cumê logo, vai!”
“Tá bom, Roberval, eu até dou teu cumê, mai tu vai ter que me aprová que num vai quengá por aí!”
“Oxe, agora fudeu tudo... como porra eu vou te aprová? Só se tu ligá pra lá...”
“Ligá que nada! É muito simpres... Me dê sua chapa!”
A gargalhada explodiu na platéia.
“Oxe... num seja por isso!”
E a platéia atônita viu um Coqueiro complacente meter a mão na boca, sacar a boa dentadura marfim, enrolar num guardanapo, e entregar nas mãos de uma Adelaide sorridente.
“Eu te amo, visse!” – tacando um beijo no seu homem.
Avesso aos estudos, parou na famigerada quinta série, demolido pelo dragão da matemática, e seduzido pela liberdade dos ignaros. Seu prazer era sentir o vento na cara, e o bater dos calcanhares na bunda. Um dia, ao voltar da rua, deu com a mãe estirada na porta de casa, entre o umbral e a terra batida que fazia as vezes de calçada. Tinha treze. Sendo o mais velho da prole, assumiu a tarefa de trazer o que comer para os outros quatro. Pela primeira, e única vez, lamentou a falta do pai, um mero desconhecido.
Seguindo o mandamento primeiro que lhe incutira a mãe logo cedo, “morra de fome, mas jamais roube, ou pegue o que não for seu por direito”; foi para o centro da cidade, batalhar. Conseguiu se manter num determinado ponto como guardador de carros. Cresceu assim, guardando carros na Boa Vista, e cresceu tanto, que não demorou a ganhar um apelido que vai levar ao túmulo: Coqueiro.
Do alto dos seus um metro e oitenta e nove, Coqueiro ostenta a pureza de um menino, com seus olhos miúdos e negros que fecham quando o sorriso abre. Assim fez seu carisma. É respeitado por todos, desde sua casa às ruas do centro. No seu rol de “clientes” enumera estudantes, doutores, empresários. Um desses, há um bom par de anos, o fez seu jardineiro. Foi quando Coqueiro se encantou por Adelaide, colega de ofício. Um exemplar de mulata, com olhos verdes e uns cabelos revoltos. Na cama, era dona das alegrias das sextas-feiras. Fora dela, enfezada, e muito ciumenta. Adelaide fez jogo duro por uns meses, mas não deixou de confessar que ficou louca logo “de cara” por aquele moreno alto com seu rosto de menino pidão e sorriso marfim. Porém, uma ou outra, banhada no riacho das preteridas, dizia ser por causa do seu mastro inverossímil, algo parecido com o que disse Drummond: “um deus entre as pernas”.
A vida dura do casal exigia mais trabalho do pai dos trigêmeos que chegaram não muito depois que se amasiaram. Com o cargo de jardineiro pelo dia, Roberval ainda guardava carros à noite, nos fins de semana, posto que havia muitas boates na região. No dia seguinte, aos primeiros fachos do sol, chegava a patroa com o almoço que Coqueiro levava para o trabalho no jardim alheio.
Era costume dos clientes mais tardios, ficar ouvindo as histórias dele na calçada, tomando as últimas cervejas. No caso da clientela feminina, Adelaide era taxativa: “oxe, num atolero, mermo!...”. Sempre rolava um bate-boca exaltado quando o moreno de sorriso marfim se deixava flagrar de papo com alguma “sirigaita” daquelas. E assim foi. Adelaide chegou antes da hora habitual, e lá estava o seu homem a gargalhar com duas mulheres.
“Roberval, seu cabra safado!!” - explodiu logo na esquina.
“Ai, meu Deus... lá vem ela!” - coçando a cabeça.
“Já tais aí, né?, parece até qué de proposo...!”
“Ô, Delinha...” - tentando contemporizar.
“Delinha, um caraio!... Delinha, Delinha... tu pensa mermo que eu sô indiota, né?” – com as mãos na cintura.
“Oxe, tava só te esperano pra pegar o cumê, e já tô atrasado, visse!”
“Atrasado, é?, atrasado eu sei bem pra quê... tu vai é raparigá por aí...”
“Ô, mulé... pelamordedeus!, eu me fudeno de trabalhar pra sustentar os bacuri da rente... e tu só pensa em gaia, vôti!!”
A essa altura uma platéia já assistia àquilo entre risos.
“Eu te conheço, Roberval Aquilino... bem eu seio da tua fama... essa tua cara de santo... tu num me ingana... tu vai é raparigá, cô sei...”
“Caraio!! Já disse que vô trabalhar, e tô atrasado!! Vai, me dá esse cumê logo, vai!”
“Tá bom, Roberval, eu até dou teu cumê, mai tu vai ter que me aprová que num vai quengá por aí!”
“Oxe, agora fudeu tudo... como porra eu vou te aprová? Só se tu ligá pra lá...”
“Ligá que nada! É muito simpres... Me dê sua chapa!”
A gargalhada explodiu na platéia.
“Oxe... num seja por isso!”
E a platéia atônita viu um Coqueiro complacente meter a mão na boca, sacar a boa dentadura marfim, enrolar num guardanapo, e entregar nas mãos de uma Adelaide sorridente.
“Eu te amo, visse!” – tacando um beijo no seu homem.
2 comentários:
Simplesmente adorei, Múcio!
Beijos :))
Eu adorei tb! Já li várias vezes! :)
Beijos :*
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